
U2 - Morumbi, São Paulo 20/02/2006
Uma noite mágica
Bono Vox lidera banda em show excepcional e sem falhas
"Mágica. Eles fazem mágica!"
O renomado estilista Calvin Klein, dono de uma fortuna de U$ 400 milhões, soltou esta curta frase para definir o show de sua banda predileta, os Rolling Stones, na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, no último sábado.
Imagino o que Klein teria pensado sobre mágica se tivesse visto a apresentação do U2 no estádio do Morumbi na noite de ontem. Talvez tivesse mudado os seus conceitos. Ou não. Mas uma coisa é certa: a turnê Vertigo do U2 está para a Bigger Bang dos Stones como David Copperfield está para David Blaine.
É magia em níveis diferentes - muito diferentes.
"Oi, galera. Agora é a nossa vez"
Quando soaram os primeiros acordes da marcha Wake Up (Acorde), do grupo Arcade Fire, as luzes do Morumbi já estavam baixas e o clima para a abertura do show já tinha começado. A gritaria era tão grande que meus ouvidos doeram - mal sabia eu que histeria ainda estava longe de seu pico. Quando The Edge começou a rabiscar na guitarra City of Blinding Lights e as primeiras luzes acenderam, revelando Bono numa das passarelas, quase fiquei surdo, sem exageros.
"Obrigado, Franz Ferdinand. No próximo ano estaremos abrindo para vocês", disse Bono, lembrando o público da apresentação dos escoceses, quase uma hora antes - conheço o Franz Ferdinand há um bom tempo e tenho os dois álbuns da banda, mas fiquei impressionado com a qualidade do trabalho dos caras ao vivo. Gostaria de vê-los num set maior, mostrando seu show completo. Minha esposa, que só conhecia duas canções do grupo, falou: "Nossa! Eles são muito bons".

A simpatia de Bono é algo que merece crédito. Ao contrário de muita gente famosa (refiro-me a rockstars), sua atenção para com o público não se restringe ao palco, vai além - como puderam comprovar os sortudos que recepcionaram a banda no aeroporto e na porta do hotel.
Mas, especialmente neste primeiro show em São Paulo, o irlandês parecia decidido a ganhar um título de cidadão brasileiro, tantas que foram suas incursões (ou tentativas) na língua de Camões. A certa altura do show, parecia que falava uma língua nova, mistura de inglês com português, que o público entendia sem fazer força (U2ês ou Bonês?).
O Set List
Quase todas as canções importantes da trajetória da banda estavam lá. Digo quase porque há muita coisa imensamente linda na discografia do U2 e que mereciam estar no set list. Mas para isso ainda há o segundo show, não é mesmo?
A lista foi enxuta e quase a mesma do DVD da turnê, mas com algumas pequenas modificações que fizeram uma grande diferença.
A tríade City Of Blinding Lights, Vertigo e Elevation arrebentaram na abertura. Depois, no lugar de The Electric Co e An Cat Dubh/Into The Heart, rolaram Until The End of the World, New Year’s Day e I Still Haven’t Found What I'm Looking For (mas um trio matador).
Depois de cantar "Ai, ai, ai, ai, tá chegando a hora/O dia já vem raiando meu bem e eu tenho que ir embora", Bono emendou Beautiful Day e uma versão acústica de Stuck in a Moment You Can't Get Out Of. Seguiram Sometimes You Can't Make It On Your Own e a destruidora Love And Peace Or Else, coladinha com Sunday Bloody Sunday e Bullet the Blue Sky.
No lugar de Running To Stand Still, a banda colocou a magistral Miss Sarajevo. Seguiram Pride (com direito à Declaração dos Direitos Humanos legendada no telão), Where The Streets Have No Name e One, fechando o primeiro ato do espetáculo.
A sequência Achtung Baby do show abriu a segunda parte da noite. Na máquina de bingo mostrada no telão, Ronaldinho, Bush e Lula receberam vaias e aplausos, não necessariamente nessa ordem. Seguiram Zoo Station, The Fly (com Bono arranhando uns acordes de blues antes), Mysterious Ways e With or Without You, que fechou o set, com direito a beijo na boca da garota puxada da platéia.
Mais um intervalo e então os irlandeses voltaram no palco para incendiar de vez com All Because Of You, e depois amaciar com a belíssima Original of The Species e fechar com 40, a melhor música que existe para encerrar um show.
Momento Mágico: Helicópteros voando baixo e direcionando canhões de luz sobre o público no estádio, enquanto a banda tocava Bullet the Blue Sky (isso a TV não mostrou). Quem conhece a letra da música ficou arrepiado nessa hora.
Segundo Momento Mágico: Bono encarando os vocais de tenor de Luciano Pavarotti em Miss Sarajevo. Lembrei na hora que Bob Hewson, pai do vocalista, além de ser amigo de Pavarotti, era cantor de ópera. Mágico.
Terceiro Momento Mágico: Ao som de One, quase 100 mil pessoas empunham seus celulares ligados, como os antigos isqueiros. A mesma cena aparece no DVD Live in Chicago, mas nem chega no chulé do que foi a imensidão de luzes no Morumbi. Os pêlos do corpo arrepiaram até cair. Parecia uma imagem do cosmo em movimento. Visualmente, uma das coisas mais bonitas que vi na minha vida.
Quarto Momento Mágico: 40. Imagine uma multidão de quase 100 mil pessoas (os números oficiais falam de 75 mil) berrando a mesma coisa sem parar. Imaginou? Multiplique por 10 e você terá uma idéia do que isso é na verdade. Não tem disco, DVD ou transmissão de TV que consiga passar 100% desse momento. Fantástico.
Voltei pra casa e passei a noite tentando dormir. Estava em choque ainda. Lembrei de Calvin Klein e sua declaração sobre o show dos Rolling Stones. Ele tem razão. É pura magia. Pena que ele estava no show errado.
Dá um beijinho, Bono, dá?
Para terminar...
Algumas pessoas que viram o show pela TV falaram da falta de voz do vocalista do U2 - e outras reclamaram da queda de áudio na transmissão em alguns momentos. Posso falra com a categoria de quem estava lá: a voz de Bono falhou tanto quanto a voz do jovem vocalista do Franz Ferdinand.
São bandas de rock 'n roll que se apresentam ao vivo. Seus integrantes correm, pulam, gritam e sussurram numa mesma canção. Sinceramente, não vi nada que não tenha visto em outros shows do U2 e mesmo de outras bandas.
E a garota que beijou o vocalista irlandês já virou celebridade na web. A beijoqueira bancária, casada e que atende pelo singelo nome de Katilce foi motivo de matéria na Folha On Line esta tarde e já tem até comunidades no Orkut em sua homenagem.
Meu Deus.
Comentários
Fico feliz que você tenha experimentado fortes emoções nesse show. Vi mais da metade pela TV e realmente foi bacana, embora a voz dele realmente estivesse aquém do normal em certos momentos. Gostei mais do show que vi em 1998. Felizmente tive o privilégio de ver muitos shows mas, com certeza, o show do U2 que assisti em 98 está entre os 5 melhores.
Abraço.